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VESTIBULAR SE TORNA PRESSÃO INSUPORTÁVEL PARA ESTUDANTES

Carga excessiva de estudos e cobrança por aprovação despertam patologias em estudantes de cursinhos pré-vestibular

A rotina de estudos estressante pode afetar a saúde dos alunos de pré-vestibular

Por: Amanda Mann, Israel Gonçalves Scopel e Vitória Gabardo de Oliveira / Foto: Amanda Mann

A pressão para ingressar na faculdade ou manter as notas quando já se está inserido é capaz de causar níveis patológicos e preocupantes de estresse nos estudantes. Muitos acabam deixando de realizar atividades extracurriculares para focar somente nos estudos, abrindo espaço para o surgimento de distúrbios mentais e, em casos extremos, físicos.

O estresse exacerbado é cada vez mais frequente em alunos. Pesquisa realizada pela Associação Americana de Psicologia mostra que 30% dos estudantes de Ensino Médio que planejavam entrar na faculdade estavam se sentindo depressivos por causa do estresse. Outros 31% se sentiam sobrecarregados, 36% diziam que o estresse os fazia ficar extremamente cansados e 23% relatam que costumavam pular refeições para estudar no período que seria dedicado a comer. O estudo conclui, a partir desses dados, que os adolescentes estão mais estressados que os adultos.

Foi exatamente o que aconteceu com Daniela Tyemi, que, ao terminar o Ensino Médio, decidiu tentar ingressar na faculdade de Medicina. Ela diz que, antes mesmo de entrar no cursinho, foi alertada, pela própria família, sobre as dificuldades do percurso. Os dois primeiros anos do pré-vestibular foram complicados, mas toleráveis. "Apesar de não ter passado, eu ainda queria aquilo. Vinha a reprovação, mas continuaria tentando", conta Daniela.

No segundo ano, a jovem começou a estudar ainda mais, desativou perfis em redes sociais, parou de sair e começou a tomar café e pó de guaraná em altas quantidades, para se manter desperta e ativa. "Eu estudava de segunda a segunda. Quando não estava no cursinho, via a matéria em casa mesmo", relata.  A decepção veio quando os resultados dos vestibulares começaram a sair e ela não havia passado. "Fiz umas 15 provas, mas não consegui passar; fiquei bem triste".

No terceiro ano de estudos para o vestibular, Daniela começou cursinho integral: saía de casa às 6h e voltava às 23h; foi quando os efeitos do estresse começaram a aparecer. "Eu estava derrotada: chorava o tempo todo, em qualquer lugar, inclusive no cursinho. Eu dormia na mesa em cima dos livros, do nada, simplesmente não conseguia controlar. Perdi nove quilos".

Ela conta que não queria aceitar a desistência, depois de tanto esforço, mas percebeu que não iria aguentar seguir nesse caminho. Por isso, deixou o cursinho e, até hoje, busca ajuda psicológica, pois as marcas do estresse ainda se manifestam.

"O cursinho é uma loucura", diz estudante

A estudante Marina Andreatta fez curso pré-vestibular e passou por uma situação semelhante à de Daniela. "O cursinho é aquela loucura que todo mundo fala, mas você não sabe o que é até estar lá dentro. É uma pressão muito grande, 24 horas por dia, sete dias na semana. Você tem que dar conta de estudar e, principalmente, aprender tudo que viu durante as aulas do dia, para não acumular conteúdo. Acho que esse foi meu principal desafio".

"É uma quantidade de matéria muito grande num período de tempo muito curto. Eu estudava o dia quase o dia todo: entrava no cursinho às 7h e saía às 19h, e ainda sentia que não dava conta de tudo", relata Marina.

Marina conta que devido à intensidade da rotina, buscou remédios que a ajudassem a ficar acordada. "Eu tentei de tudo para aproveitar meu dia ao máximo, não sentir sono e não perder a concentração: tomei energético, café e até alguns remédios que diziam dar vitalidade, mas nada adiantou".

A estudante salienta que é "humanamente impossível" seguir uma rotina de pré-vestibular sem sentir sono nem cansaço. "Chega um período do ano em que todos esses sentimentos se acumulam, o vestibular fica próximo e a tensão aumenta.  Não tem como controlar o nervosismo e a ansiedade. Os meus sentimentos estavam à flor da pele, fiquei muito emotiva, chorava por quase tudo. Mas a gente tem que aprender a lidar com isso e saber que uma hora vai passar. O segredo é perceber que o bicho do vestibular nem era tudo aquilo que imaginávamos".

VÍDEO: Confira dicas de como se preparar para o vestibular sem afetar a saúde

 

 

 

 

Pré-vestibular pode prejudicar o psicológico de estudantes

A psicóloga Luciana Ribas, especialista em Terapia Cognitivo–Comportamental, explica que a sobrecarga nos estudos é extremamente prejudicial ao bem-estar físico, emocional e espiritual Ela afirma que, sem saúde, não há produzir adequadamente e torna-se muito mais difícil atingir, inclusive, os objetivos nos estudos.

A psicóloga diz que o consumo de estimulantes até funciona, mas tem efeito imediato e passageiro. A longo prazo, a ingestão desses produtos pode trazer malefícios ao estudante.

"Qualquer estimulante pode viciar. É o efeito de uma droga. Aquela sensação de alivio de  sentir que estou mais preparada é momentânea. Conforme meu corpo vai se acostumando com aquela dosagem, ele vai precisar de mais para que a sensação se repita", explica. "O problema é que uma das reações adversas são crises de ansiedade, um dos males do nosso século. Aí, sim, será necessário o uso de medicamentos ansiolíticos. Logo, o benefício acaba tendo um custo muito alto".

Vestibulandos sofrem pressão tanto dos pais e de si mesmos quanto da sociedade. Luciana declara que, na lógica capitalista, é feita introduzida nas pessoas a ideia de que elas precisam produzir mais e mais, pois todos estão produzindo. Se ela não consegue produzir, pensa que há algo errado consigo, e acaba se cobrando muito. No entanto, não é levado em conta que, muito provavelmente, as pessoas com quem se compara também estão adoecendo por causa dessa rotina frenética.

A psicóloga ainda explica que cada pessoa tem uma personalidade e lida com a pressão de forma diferente. Enquanto algumas pessoas conseguem trabalhar sob pressão e ainda ter uma vida social e relaxada, outras adoecem por não saber lidar com isso, e essas diferenças precisam ser respeitadas. O que acontece é que esse segundo tipo de pessoa acaba se cobrando muito e não respeita o próprio organismo, segundo Luciana.

Colégios oferecem ajuda a estudantes

A psicóloga e professora Jaqueline Assunção trata o momento do vestibular como uma fase de bastante pressão para o estudante, já que a maioria não têm "maturidade emocional" para lidar com o estresse. Os alunos do colégio em que ela leciona recebem aulas de orientação profissional em todos os anos do Ensino Médio, com o objetivo de auxiliar o estudante na hora de escolher uma profissão, além de dar suporte quanto às questões de equilíbrio nos estudos e momentos de lazer, para amenizar a pressão do pré-vestibular.

"Além das aulas de orientação profissional, o colégio realiza, quase toda semana, um encontro extraclasse com os alunos no terceiro ano e seus pais, para conversas semelhantes às aulas de orientação profissional", diz Jaqueline, sobre o suporte dado aos pais e alunos na hora vestibular.

Especialistas criticam vestibular como método de seleção

 

O educador e pedagogo José Pacheco, conhecido pelo trabalho na Escola da Ponte, na cidade do Porto, em Portugal entende que o vestibular é uma forma de seleção ultrapassada. "Vestibular não passa de uma aberração. Vestibular ou Enem são provas e, como tal, não avaliam nada. É algo que os professores universitários já deveriam saber".

Pacheco diz que a própria existência do cursinho é a comprovação de que o ensino está sucateado. "É um período de fixação de conteúdos sem sentido nenhum, guardados na memória em curto prazo, que são colocados no papel para serem esquecidos. Então, só existe vestibular porque o cursinho é uma grande comercialização, um negócio".

A consultora em educação Cláudia Passos entende o vestibular como um desvio educacional. "Segrega, deixa as pessoas doentes, inseguras e com sentimento de incompetência, o que pode destruir uma pessoa. Esse sistema pode fazer com que um jovem talentoso e criativo se jogue em uma direção oposta, de desconstruir tudo o que é enquanto pessoa. Então, é um processo discriminatório e darwinista".

Cláudia também critica a didática aplicada em sala. "Em termos de metodologia de ensino, o que eu vejo são professores com grande conhecimento, mas que se dispõem a ser micos de circo para poder satisfazer um mercado. É um absurdo total ter 300 alunos em uma sala de aula".

 

A educadora ainda comenta que qualquer pessoa que tenha passado pela fase de vestibular pode tentar refazer a mesma prova algum tempo depois, mas que não se lembrará de quase nada do conteúdo. Isso acontece, explica Cláudia, porque a memória tende a ser ocupada por conteúdos de mais qualidade.

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