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COTAS RACIAIS

Cotas raciais se consolidam em busca
por inclusão social

Lei exige que universidades federais reservem vagas para estudantes pretos, pardos e indígenas

Por: Luiz Renato Mourão

As cotas raciais no sistema universitário brasileiro começaram a ser debatidas no início dos anos 2000. A Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) foi a primeira instituição a implanta-las há 13 anos. A ação foi justificada pela grande discrepância entre a representatividade preta e branca no ambiente acadêmico.

Atualmente o sistema é consolidado por uma lei federal, que exige que uma porcentagem das vagas em qualquer instituição federal, seja destinada a pretos, pardos e indígenas.

Comparações feitas através de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) evidenciam que a medida se enquadra em um panorama de redução da desigualdade no país.

As cotas raciais têm caráter de medida afirmativa. Elas - junto a bolsas de estudo, prioridade em empréstimos e contratos públicos e distribuição de terra e moradia - são descritas pelo psicólogo e doutor em Comunicação e Semiótica João Angelo Fantini como "medidas positivas tomadas para aumentar a representação das minorias nas áreas do emprego e da educação".

O professor e psicólogo Marcos Meier, mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), explicou como vê o processo das cotas refletido no comportamento da sociedade. "Quando os filhos de cotistas estiverem entrando nas universidades, poderemos começar a perceber um caminho mais natural. Atualmente uma criança negra tem muito mais chances de nascer em um lar de semianalfabetos, sem acesso à leitura e cultura", pontua o educador.

Embora pretos e pardos representassem no ano 2000 menos da metade da população, constituíam 67% dos iletrados. Meier justifica as cotas raciais através deste tipo de falhas estruturais acerca da educação no país. "O jovem que não herdou hábitos saudáveis passa o período escolar inteiro ouvindo que tem problemas de aprendizagem e termina o Ensino Médio se achando pior do que os outros. A verdade é que ele entende os conceitos, mas não a forma como são passados", garante.

Meier ainda lembra que a população brasileira é composta por cerca de 50% de brancos; portanto, acha justo que haja um número proporcional a este ocupando as universidades. Ele acredita nas cotas raciais como uma forma de equilibrar a concorrência em uma sociedade que enxerga negros e brancos de formas diferentes. "As cotas são como um remédio amargo. Não deveria ser necessário; no entanto, é o único jeito que existe para fazermos justiça. O ideal é que isto termine logo. Acredito que, à medida que a educação aumenta de qualidade, o preconceito começa a diminuir", afirma.

Um dos argumentos recorrentes dos que são contra a medida é de que ela subverte o mérito. Esta questão é delicada e, de acordo com o professor, não pode ser vista de forma isolada, o cenário deve ser analisado como um todo. "O mérito por si só, desconsiderando fatores externos, é injusto. O modelo de cotas atual é importante porque equilibra esta concorrência". Ele conclui dizendo acreditar que o brasileiro tem que valorizar os esforços pessoais ao mesmo tempo em que apoia o combate a desigualdade, buscando que oportunidades sejam igualitárias.

O que representam as cotas no sistema atual:

O assunto gera debate em diversas esferas da sociedade.
Confira os principais argumentos contra e a favor.

1. A medida promove o racismo. Diz-se que o fato de separar um montante de vagas a pretos, pardos e índios coopera para a ideia de que estes têm menos capacidade intelectual e, por isso, devem ter o caminho facilitado.

2. A ação não age na raiz do problema. Deve se focar em educação de base.

3. A medida é injusta e nivela o ensino por baixo. Em um panorama onde pobreza não é uma característica exclusiva dos negros, a medida acaba prejudicando outras pessoas com poder aquisitivo tão baixo quanto, ou menor, pelo fato de ela ser branca.

Contra-argumentos

1. De fato, o tratamento é diferenciado e pode se dizer que a exigência para entrada dos cotistas é menor. Entretanto, dizer que o caminho é facilitado significa relevar toda uma trajetória repleta de dificuldades. A segregação racial regularmente vivida por estas pessoas é comprovada através de pesquisas e dados do IBGE.

2. Dados do censo demográfico de 2010 revelam que a média salarial dos profissionais com e sem instrução superior tem variam entre 32% e 45% dependendo da raça variações expressivas no rendimento mensal dependendo de sua raça, variando entre 32 e 45%. O investimento em educação primária também deve ser prioridade, mas as cotas têm um papel na educação de futuros pais e responsáveis pelo direcionamento da educação de muitas crianças.

3. Sobre o nível dos egressos, informações do Sisu, também atuam em favor das cotas. De acordo com o Ministério da Educação, a diferença de nota entre cotistas e não cotistas nos dez cursos mais concorridos gira em torno dos 4%. A cada ano que passa, o contraste diminui. Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o desempenho dos beneficiados pela medida foi, no vestibular de 2016, melhor do que o da ampla concorrência.

Marcos Meier analisa estes aspectos ligando-os à dificuldade da sociedade em compreender que somos todos igualmente capazes. "O que causa a segregação não são as cotas, mas a pressuposição de que os cotistas são menos capazes do que os brancos", assegura.

Assim também pensa José Geraldo de Sousa Junior, reitor da Universidade de Brasília (UnB) entre os anos 2008 e 2012, doutor em Direito, Estado e Constituição e especialista em Direitos Humanos. Ele explica que o contexto do limite de vagas com relação à demanda não diferencia intelectualmente quem entrou e quem não entrou. "É uma questão de circunstância, as diferenças de desempenho são mínimas no grupo de pessoas que atingem os principais scores", explica o ex-reitor.

Participante ativo do processo que culminou na instauração das cotas na universidade da capital federal em 2005, ele esclarece a forma de aplicação do método. "Após muitos estudos, debates e discussões decidimos que os cotistas concorreriam em faixa própria e deveriam ser aprovados buscando o mérito na nota de corte". Ele diz que os dois grupos não competem entre si, pois existe um desenho social que diferencia as oportunidades entre os dois grupos.

O doutor salienta que os cotistas cada vez mais entram com excelentes resultados, fator que comprova a eficiência do método. "Eles entram com pontuações altíssimas mesmo fazendo parte de uma cultura que, por uma questão de classe, faz com que tenham menos acesso a instrumentos de qualificação".

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A visão de um cotista

O engenheiro Luiz Henrique Selucio Marques se formou na Universidade Federal do Paraná no ano passado. As cotas se comprovaram necessárias para ele, quando passou a ver o problema como algo institucionalizado.

Constatou que, mesmo que uma porcentagem das vagas fosse destinada aos negros, elas não eram ocupadas. "Eu descobri que a maioria não consegue nem passar da primeira fase; não existem oportunidades de educação básica. As famílias, normalmente não tem estrutura para dar a educação adequada a seus filhos".

Aqueles contrários à medida costumam alegar que as cotas sociais, destinadas a quem frequentou escolas públicas durante o ensino médio, já são o suficiente. O engenheiro diz que as pessoas precisam prestar atenção no ambiente que frequentam. "O intuito das cotas raciais é incluir os negros na sociedade, que na visão geral das pessoas, se não é pobre é jogador de futebol".

Marques, que vem de uma família com uma boa situação financeira ainda levanta questão do cenário atual, em os afrodescendentes não estão em condomínios de classe alta, em universidades particulares e em conselhos como de engenheiros e médicos. "Meu pai cansou de ir a eventos onde ele era o único que não era branco, como achar isto normal em um país onde mais da metade da população tem essa característica?".

O engenheiro é assertivo sobre a o papel das cotas no combate ao racismo. "O racismo não é um ato exclusivo daqueles que discriminam e segregam abertamente. Não é o fato de conviver bem com negros que torna um indivíduo não racista". Ele acredita que não agir contra a manutenção da situação atual, em que negros majoritariamente ocupam posições subalternas, significa agir em favor dela.

 

O professor de Ciências Políticas da PUC-PR, Luciano Koening de Castro, explicou que enxerga a medida como insuficiente para sanar os problemas da desigualdade. Ele acredita que o investimento na educação básica deveria ser prioritário. "A raça negra é historicamente oprimida, mas a medida não age na área mais importante".

Castro assegura que o modelo atual causa dificuldades ao andamento das aulas e fala sobre o índice de evasão, que segundo ele é alto, o que demonstra a falha estrutural da medida afirmativa. "Se tratássemos melhor a educação primária, todos seriam capazes de chegar com as condições necessárias para entrar no ensino superior e aproveita-lo ao máximo". O cientista político finaliza dizendo que as cotas incentivam a desigualdade, por separar alunos entre mais e menos capazes.

O reitor da UFPR, Dr. Zaki Akel Sobrinho, foi procurado para ceder uma entrevista, mas devido ao momento conturbado que envolve as ocupações dos prédios da reitoria, não conseguiu disponibilidade em sua agenda. Por meio de um artigo, a Pró-Reitora de Graduação da UFPR, Maria Amelia Sabbag Zainko, reforçou o posicionamento favorável da instituição à política de cotas no final de 2015. Confira um trecho do texto:

"Em meio à polêmica e críticas nem sempre fundamentadas que vêm alimentando as discussões nas redes sociais a UFPR reforça para a sociedade o seu compromisso de uma educação superior inclusiva e como direito social e humano de todos os cidadãos. Nos últimos anos vimos sedimentando as bases de um projeto de futuro centrado no compromisso e nos desafios da qualidade acadêmica e da inclusão. Queremos uma UFPR para todos, ou seja, a universidade como espaço democrático, público e inclusivo. Os desafios são enormes na construção de um processo de formação do profissional e cidadão com a qualidade e a inovação que os novos tempos exigem."

Na integra: http://www.ufpr.br/portalufpr/blog/noticias/cotas-universidade-reforca-posicionamento-sobre-lei-federal/

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