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OCUPAÇÃO COMO ESTRATÉGIA POLÍTICA

Ocupar é estratégia política recorrente e antiga, dizem especialistas

Movimentos sociais e operários usam a estratégia desde o início do século XX

Por Stella Prado

 

Ocupar espaço público, como fazem os estudantes secundaristas no Brasil, não é algo novo na sociedade como estratégia política e social, apontam especialistas. No início do século XX, movimentos operários, na luta por creches, pela democratização do ensino público e em experiências do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) em áreas de assentamento e escolas comunitárias, fizeram parte do registro histórico de ocupações. No ano passado, secundaristas levaram o governo do estado de São Paulo a recuar no projeto de reorganização escolar, que provocaria o fechamento centenas de escolas no estado.

Em contextos e tempos variados, as ocupações em escolas e universidades surgem com um ponto de partida em comum: o direito universal à educação e a instituições públicas de qualidade. Muitas vezes, o que os alunos buscam com a ocupação é visibilidade e pressão para a abertura do diálogo. A doutoranda em antropologia social Paula Alegria diz que a importância da ocupação no cenário político atual é de que a educação deixe de tomar a forma do discurso vazio e difuso das massas de que "é preciso investir em educação" e passe a configurar uma pauta específica, com demandas pontuais, críticas certeiras e caminhos possíveis.

 

Segundo Paula, a conscientização política passou de "desconectada da realidade" para uma força capaz de desencadear processos tanto práticos quanto simbólicos dentro da escola e no mundo. "A forma como os estudantes secundaristas buscam ativamente compor uma escola comum, pública, democrática e boa para todos marca a entrada de uma nova geração no movimento estudantil e de um modo de fazer política renovado".

A pesquisadora explica que mais poderosos do que desfechos concretos são os efeitos da micropolítica, "aquela que atravessa o dia a dia e somos capazes de compor com quem travamos relações na escola, em casa e na rua".

 

Segundo o historiador Leandro Eliel Pereira de Moraes, as atuais ocupações devem ser valorizadas a apoiadas. Ele afirma, contudo, que as transformações necessárias não serão produzidas por um movimento geracional ou setorial, mas pelo conjunto da classe trabalhadora, que possui capacidade de parar os meios de produção e criar uma força desestabilizadora para o governo.

Moraes acrescenta que o MST, historicamente, demonstrou que o ato de ocupar representa uma forma efetiva de luta. "Evidentemente que as ocupações dos estudantes têm uma dimensão distinta do MST, que incidem diretamente nas relações de propriedade, enquanto que os estudantes ocupam um espaço público que não afeta diretamente a produção de riqueza", ressalva.

 

Outra novidade, segundo o doutor em economia Leonardo Regazzini, é a reprodução do método por forças de direita. A ocupação do Congresso Nacional por manifestantes favoráveis à ditadura militar no dia 16 de novembro mostra que todos os interessados em mudar a sociedade brasileira, seja para onde for, já perceberam que as ocupações podem produzir resultados interessantes.
 

O economista acredita que a relevância das ocupações no cenário político atual é mais simbólica do que prática em razão de que o governo tem conseguido avançar com as reformas na educação no Congresso. "Isso significa que, apesar da dimensão do movimento, ele não está sendo capaz de sensibilizar os parlamentares, o que indica que, provavelmente, também não está sendo capaz de sensibilizar a opinião pública".

 

 

Ocupantes criticam projetos do governo

A estudante secundarista Marina*, 17 anos, diz que a ocupação é uma radicalização compatível com a Prpostade Emenda Constitucional (PEC) que limita os investimentos públicos em áreas como Eduação, o que, na visão dela, prejudicaria não só os atuais estudantes, mas também a futura geração.

Marina relata que ocupar foi a maneira mais rápida de chamar atenção do Estado para o movimento estudantil que, segundo a estudante, protestava nas ruas havia muito tempo e não conseguia visibilidade. "A gente queria fazer uma coisa que incomodasse as pessoas de verdade e acredito que conseguimos", diz. A secundarista acrescenta que o conhecimento adquirido durante as "ocupas" será levado pelo resto da vida.

Já para Tadeu*, que integra o movimento Desocupa Paraná, a estratégia não é uma solução. O estudante, que é aluno do Colégio Estadual do Paraná, diz que existem inúmeras formas de reivindicar direitos, como protestos, passeatas, caminhadas e que respeitar a constituição e ter a opinião pública a seu favor são a essenciais para uma boa luta. "Eu sempre digo: ao invés de ficar dormindo, tire o sono daqueles que temos que tirar", declara.

 

 

"Revolta dos Pinguins" é referência para secundaristas brasileiros

A Revolta dos Pinguins foi o maior movimento estudantil do Chile desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet e inspirou a ocupação no Paraná. O ato tem esse nome devido aos uniformes dos estudantes secundaristas compostos por terno e gravata. O documentário de 2007 dirigido por Carlos Prozatto, “A rebelião dos pinguins”, apresenta registros das manifestações e entrevistas com os estudantes que ocuparam cem escolas e conseguiram reunir um milhão de alunos nas ruas do Chile em 2006.

Dez anos depois, a revolta no Chile influencia estudantes em todo o mundo. Uma cartilha feita pelos secundaristas chilenos e argentinos apresenta informações de como ocupar um colégio como a formação de comissões, assembleias, jogral e trancaços, e a circulação em diferentes escolas.

* Nome fictício

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